Sr.Abrasha junto com sua amada esposa,Srª Asna, e que Deus os ilumine. |
É com pesar que mais uma pessoa de luz e amor se vai desta vida, de sofrimentos e dor.
Sr, Abrahan Jaspan, carinhosamente apelidado de Sr. Abrasha, eu o conheci por quinze minutos, ele era sogro do meu pai e tive uma lição de vida. Principalmente no que se refere ao destino.
Um homem que aos 17 anos lutou na Segunda-Guerra Mundial, era Lituano,sua família foi dizimada pelo holocausto. perseguido pela SS(por ser judeu), posteriormente pela NKVB, conseguiu enganá-los pela inteligência e cultura(poliglota sem ter sotaque),que lhe foram peculiares.
No fim da guerra, junto com a Srª Asna, conseguiram ir à Itália para embarque do continente europeu, preterindo Israel e escolhendo o Brasil, onde casaram-se. Geraram dois Filhos: Salomão e Atalia(companheira de meu pai , que tem enteados maravilhosos).
A mensagem que sempre deixei para a Atalia,agora, transmito a todos, informo o que ouvi no dia que conheci sr. Abrasha: "Deus estabelece o nosso destino e jamais poderemos ir contra a vontade dele."
Depoimento:
Abraham Jaspan
Pai:
Shlomo Jaspan
Mãe:
Raquel Jaspan (solteira: Cernes)
" Eu
nasci em Kovno (Kaunas), na Lituânia.
A
família de minha mãe era relativamente rica. Meus tios, irmãos de minha mãe
tinham uma indústria de meias (Fábrica Cotton). Minha mãe tinha participação na
empresa como sócia minoritária e dirigia o setor de distribuição da empresa.
Meu pai estudou engenharia, mas, trabalhava na contabilidade da empresa. Meus
pais falavam Russo. Eles não eram
religiosos. Por parte da minha mãe, havia um tio religioso. Eu aprendi Idish
com os amigos.
Na
Lituânia, os judeus tinham autonomia cultural. O próprio governo não queria
gastar com a comunidade judaica, a maior comunidade não-católica do país (15 a 20% da população). Assim,
a comunidade judaica era independente: tinha escolas, hospital, asilo de
órfãos, asilo de idosos, Chevra Kadisha. Deste modo, apesar do pagamento de
impostos, os judeus arcavam com tudo sozinhos.
Na
minha época de garoto, os judeus lituanos viviam numa coletividade fechada. De
um modo geral, não se davam muito com goim (não-judeus); socialmente, era raro;
o relacionamento era comercial.
Eu
vivi na Cidade Velha, onde, praticamente, 90% da população eram judeus. Os
goim, eram operários, porteiros, etc. De modo geral, não tínhamos contato com
goim. Havia anti-semitismo na imprensa ou quando estudantes judeus se
encontravam com estudantes goim (às vezes havia até brigas). Judeus não
freqüentavam escolas não-judaicas. Nas universidades, os judeus não eram
admitidos: achavam sempre que a prova do judeu (vestibular) era abaixo da crítica.
Por isso, os filhos de famílias mais ricas, eram mandados para universidades na
França, Inglaterra, Alemanha.
Aos
cinco anos, fui estudar no Ginásio Schwabe, não-religioso, onde o Idish era
proibido para não atrapalhar o aprendizado do Hebraico. A escola mantinha
intercâmbio com escolas na Palestina: professores da Palestina vinham ensinar
na Lituânia e professores da Lituânia iam para a Palestina aprender. Neste
Ginásio, todas as matérias eram ensinadas em Hebraico: Matemática, Geografia,
Latim, História Geral, conhecimento do Sionismo com Geografia e História da
Palestina, Literatura Hebraica. Literatura Idish eu só estudei na época do
domínio russo, quando nossa escola foi fundida com a Kommerzschule, depois
denominada Scholem Aleichem. A nova direção da escola indicou uma aluna da Juventude Comunista para estudar comigo
para ver se eu e os outros alunos não continuávamos com o Sionismo.
O
Ginásio Schwabe era sionista. Meus pais não eram sionistas. Entrei nesta escola
porque meus tios recomendaram. O meu sionismo é da escola. Os alunos eram de
diferentes movimentos: Betar – Dror – Hashomer – Gordonia – a juventude do
Mizrahi. Freqüentei o Betar porque gostava de esportes. Havia colônias de
férias (três , quatro dias), com vários tipos de exercícios.
O
nosso Ginásio era do tipo do clássico que existiu no Brasil. O curso durava 11
anos. Quem terminava podia dar aulas em escolas primárias da periferia, porque
aí é que faltavam professores.
Não
cheguei a lecionar porque recebemos o certificado de conclusão dois dias antes
da 2ª Guerra Mundial nos atingir (1941). Provavelmente, se não fosse a guerra,
eu teria seguido alguma carreira diferente por causa dos negócios da família.
Durante
a guerra, atuei como combatente soviético. Em 1945, com o fim da guerra, fui
para a Itália ajudar no transporte de sobreviventes do Holocausto para a
Palestina. Foi aí que conheci Asna (da Ucrânia), que era guerrilheira
(Partisan) por quem me apaixonei e casamos.
Tomei
então conhecimento que minha mãe e minha irmã Judith estavam vivas em Lodz (Polônia). Fui
procurá-las e as trouxe comigo para a Itália. Meu pai não havia sobrevivido.
Pretendíamos
ir para a Palestina. Mas, para a Aliá B (ilegal), meu sogro era considerado
velho (nascido em 1895). A idade máxima, para aqueles primeiros navios, era 35
anos porque precisava-se de gente com menos idade que ajudaria a construir o
futuro Israel. Era preciso esperar. Minha mãe queria ir para os Estados Unidos,
mas, havia quotas (para nascidos na Lituânia, três ou cinco mil) e na Embaixada
Americana, em Roma, disseram que a lista estava esgotada: era preciso esperar
dois ou três anos. Meu sogro, pai de Asna, queria vir para o Brasil onde tinha
parentes de sobrenome Arkader. Assim foi decidido que viríamos para o Brasil.
De
Roma partimos para Florença onde conseguimos vistos. Havia uma determinação de
Getúlio Vargas que limitava a entrada de judeus no Brasil, sendo que muitos se
converteram para conseguir o visto. Só conseguimos vistos em Florença por
intermédio de uma consulesa brasileira que desobedeceu as ordens de Getúlio
Vargas e, por isso, foi demitida.
Viajamos
no navio italiano “San Giorgio”, pequeno, com um único andar para as camas: era
um antigo navio hospital. As passagens foram pagas pela Cruz Vermelha.
A viagem durou cerca de dois
meses por causa de um vazamento e, assim, ficamos um tempo em Las Palmas. Chegando
ao Brasil, os passageiros tiveram que optar por São Paulo ou Rio de Janeiro. A
maioria preferiu São Paulo, onde as condições de vida eram melhores.
Ficamos no Rio de Janeiro,
onde o pai de Asna tinha parentes. O Sr.
Abel Arkader nos recebeu e ficamos hospedados por dois dias na Praça
Tiradentes. Fomos então direto para a Abolição onde ficamos todos juntos num
apartamento: eu, minha esposa, meu sogro, minha mãe, minha irmã Judith e mais três
irmãos de Asna, na Travessa Santa Martinha. O apartamento ficava numa casa de
dois andares: em cima morava o Leib (Leon) Arkader com a família (fizeram
aliá); embaixo, nós moramos. Mas, o tio David Arkader disse que não ficava bem
um homem (meu sogro) e uma mulher (minha mãe) viverem debaixo do mesmo teto sem
serem casados. Aí, meu sogro e minha mãe casaram.
Meu
sogro e meus cunhados foram trabalhar klintele (como prestamistas). E eu
cheguei ao magistério por acaso. O Srul Arkader tinha uma loja de roupas no
Méier e vendia a mercadoria para klinteltshikes em consignação. Muitos
deles apareciam na loja para negociar e conversar. Um dia, meu sogro estava lá
quando apareceu o Simcha Arkader. Conversa vai, conversa vem, acabaram falando
da Escola Bialik e comentaram que a Profa. Berta Kuznietz (de Hebraico)
casou-se com um outro professor da escola (também de Hebraico) e que o casal
faria aliá, ficando por isto a escola sem professor de Hebraico. Aí, meu sogro
disse que o genro (eu) falava um perfeito Hebraico, além do Idish. Como não
havia outro candidato, o Srul Arkader (que era o Presidente da Diretoria de
Pais do Bialik) achou que talvez eu pudesse dar conta do trabalho. Fui até a
escola e no dia 01/03/1947 eu já estava trabalhando de carteira assinada.
Na
Itália, depois da guerra, eu tinha ficado mais ou menos um ano e meio e aprendi
um pouco de italiano (cheguei na Itália em junho de 1945 e saí em janeiro de
1947). No meu colégio eu tinha estudado latim. Então, dava para entender um
pouco de português. Falar era difícil. Ensinei Hebraico por mímica. Assim,
entrei para substituir uma professora e fiquei no Bialik até 1951. O diretor
era o Dr. Moysés Fridman. Dei aulas para todas as séries do primário. Além de
Hebraico, dei aulas de Tanach (“Histórias da Tora”). Também dei aulas
particulares de Hebraico. No Bialik trabalhava a Profa. Golda Rubinstein dando
aulas de Idish.
Fui
trabalhar também no Colégio Hebreu Brasileiro ensinando Hebraico. Aí, as aulas
começavam às 7 horas da manhã. Eu saía de casa às 6 horas e pegava o bonde para
a Tijuca, onde ficava o Hebreu Brasileiro. Trabalhava até mais ou menos às 10
horas. Aí, pegava o bonde e ia para o Bialik, no Méier, e trabalhava até as 17
horas. Depois eu ainda dava aulas particulares.
No
Hebreu, conheci o Prof. Berzon (que dava aulas de Idish), o Prof. Moysés Burlá
(aulas de Tanach) e o Dr. Isaac Izecksohn (que era o Diretor). Neste colégio
trabalhei mais ou menos dois, três anos.
Como
cheguei a Madureira? O ishuv (comunidade) de Madureira era muito ativo na vida
comunitária. Se o Méier parecia um shtetl (cidade pequena), Madureira era a
shtot (cidade). A comunidade fundou uma escola, mas estava dividida em dois
grupos: o IKUF (progressistas) e os sionistas. Esses grupos brigavam muito
entre si e houve uma ocasião em que acabaram na delegacia. Nenhum dos dois
grupos tinha condições de fundar e manter uma escola sozinho: juntaram-se para
fundar a escola. Mas, continuavam a brigar por causa da diferença de idéias,
apesar de terem interesse comum na escola (I. L. Peretz): brigavam pela
política. O Diretor da escola era o Prof. Iucht, um idishista que era
tolerante. Na época, existia a Machlaká Lechinuch Uletarbut (Divisão Judaica de
Educação e Cultura) aqui no Rio. A Machlaká recebia de Israel material didático
para as escolas judaicas com o objetivo de ajudar os professores do ensino
judaico.
O
grupo sionista procurou a Machlaká pedindo um diretor para a escola de Madureira.
A Machlaká me procurou na escola do Méier para que eu assumisse a direção da
escola de Madureira (que só tinha o primário). O Dr. Moysés Fridman me passou o
pedido e sugeriu que eu aceitasse. Fui até lá para uma reunião e fui bem
recebido pelos dois grupos. Eu já sabia da situação política dos dois grupos. A
minha primeira pergunta ao Iucht foi por que me chamaram se ele ainda
trabalhava lá – era dezembro. Ele me disse que não estaria lá no ano seguinte.
Da Diretoria da escola eu quis saber se era para dirigir só a escola ou todo o
centro cultural: era só a escola. Aí apresentei minhas condições. Falei sobre o
programa que eu já seguia no Méier e que era o programa da Machlaká. Falei
sobre o salário. Aí, apresentei a condição mais importante: as divergências
políticas (sionistas x progressistas) ficariam totalmente fora da escola. Todos
aceitaram e eu aceitei. Os dois lados cumpriram o trato.
Dirigi
o I. L. Peretz durante mais ou menos 5 anos. A escola se desenvolvia bem.
Então, a Diretoria resolveu abrir o ginásio. Perguntaram a minha opinião. Eu
disse que para fundar um ginásio era preciso passar por trâmites legais e eu
achava que era difícil arriscar. Mas, foi decidido criar o ginásio e já havia
um professor para assinar como diretor do futuro ginásio (José Orind).
Quem
me ajudou a passar por todos os trâmites foi o Prof. Moisés Genes, que me dizia
onde ir e com quem falar. Havia, por exemplo, a obrigatoriedade do ginásio ter
uma sala de ciências. O Prof. Genes pegou emprestado no Colégio Scholem Aleichem
(onde era o diretor) o laboratório todo e mandou para Madureira. Quando veio a
inspeção verificar as condições do futuro ginásio, já encontrou um laboratório.
Depois da inauguração, ainda trabalhei em Madureira nos dois primeiros anos do
ginásio.
O
primário e o ginásio do I. L. Peretz eram muito elogiados. Os vizinhos
não-judeus queriam mandar os filhos para a escola e eu aceitei. Os alunos
não-judeus acabavam assistindo as aulas de Ensino Judaico por escolha própria.
Saí
de Madureira porque a Escola Max Nordau precisava de um diretor de Ensino Judaico.
A escola funcionava na Rua Francisco Otaviano (primário). A medida que o íshuv
(comunidade) da Zona Sul crescia, a diretoria comprou um terreno na Rua
Prudente de Morais para fazer o ginásio. A Machlaká pediu que eu aceitasse o
cargo e eu assumi o Max Nordau, na época da fundação do Ginásio. Nessa época, morávamos no Méier. Fiquei no Max
Nordau. Depois, dei aulas no Liessin.
A
turma (os alunos) de Madureira era excepcional. Os que saíram do I. L. Peretz
eram bem preparados. O ishuv de Madureira tinha uma vida familiar judaica como
na Europa (muito família). Na hora do lanche, as mães traziam a merenda para os
filhos e viam se eles comiam; queriam saber como os filhos estavam no estudo.
Era gente simples que falava Idish. Resolvi, também, unir os garotos para fazer
esportes e jogava-se contra outras escolas.
As
crianças do Méier e de Madureira eram mais educadas, não tinham problemas
disciplinares e respeitavam a escola. No Max Nordau e no Liessin, elas eram
mais soltas. Vários alunos das escolas foram meus alunos de Bar-Mitsvá.
De
modo geral, os pais não tinham pelas matérias judaicas o mesmo interesse que por
outras matérias. O melhor resultado no ensino foi no Bialik do Méier. A melhor
convivência com o ishuv (comunidade), a Diretoria de Pais e os alunos foi em Madureira. De Madureira
sinto mais saudade do que de todo e qualquer lugar.
A
formação dos professores de Hebraico, no início, era um problema. Na Escola
Hertzlia foi fundado um curso. Mais tarde, vieram professores de Israel e o
curso acabou.
Trabalhei,
também, como voluntário para o Karen Kaiemet, organizando as festividades
judaicas para a comunidade.
Na
Abolição, a coletividade era pequena e, sendo o Méier próximo, era lá o centro
de tudo, tanto do comércio como das festividades religiosas e encontros
sociais.
Havia
boas relações entre as coletividades do Méier e Madureira. As disputas entre
sionistas e progressistas em Madureira eram bem mais fortes porque a comunidade
era mais ativa. Os grêmios do Méier e de Madureira reuniam muitos jovens com
noites dançantes e conferências.
A
maior parte dos judeus do Méier, Madureira e adjacências trabalhava klintele
(como prestamista). No Engenho de Dentro havia as oficinas de fabricação de
vagões do governo e os funcionários recebiam o vencimento em dia certo e os que
trabalhavam klintele faziam a cobrança neste dia. Muitos judeus se deram bem e
conseguiram abrir lojas. Na Rua Adolfo Bergamini, no Engenho de Dentro, por
exemplo, o comércio era muito ativo e freqüentado.
Acho
que este trabalho pela memória da coletividade da zona suburbana da Central do
Brasil ficará registrado no Museu Judaico como lembrança de uma vida feliz e
ativa de imigrantes e merece elogios.
3 comentários:
Estudei no I L Peretz de Madureira de 1951 a 1954. Depois em 1955 fiz o admissao no Bialik do Meier, onde conheci o Lerer Jaspan. Eu gostava muito dele, e até que ele nos deixou sempre o encontrava nos eventos e ele nunca deixava de dar uma palavra comigo, sempre com afeto. Era modesto, até ele falecer eu jamais soube que ele foi um lutador, nem sua esposa. Depois pesquisando descobri muita coisa sobre esse bravo combatente e mestre. Que a sua alma se incrpore a corrente da vida eterna.
Israel Blajberg
Morei na Rua Américo Brasiliense e o I. L. Peretz era o melhor colégio da área. Não sou judeu, mas meu pai me matriculou. Estudei no I. L. Peretz entre 1962 e meados de 1963. Aprendi Ídiche no primeiro ano primário, em 62 e participei de algumas festividades no decorrer desse saudoso ano e meio. Guardo fotos desse período e pude usufruir de um ensino quaolificado e disciplinado no período. Fiquei feliz de ler sua história e de conhecer detalhes dos quais não fazia ideia. Agradeço esta oportunidade.
Arnaldo Lyrio,
01 de agosto de 2021.
Eu o conheci quando estava com câncer e dona Asna sempre o acompanhou em todos momentos. Fui ao enterro dos dois. Eles eram sogros do meu falecido pai que tinha como companheira Atalia jaspan Davidovich . Gostava muito deles. Dona Asna fez muitas perguntas sobre mim. Ela era uma Partzia e ajudou muitas pessoas e como tava no sangue dela as as indagações foi de uma guerreira. Amo eles como avôs e tenho Atalia como mãe. É a minha Mãedrasta.
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